segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Samba e o Sabiá

Nós já éramos frequentadores assíduos daquela magnífica roda de samba quinzenal da Rua Ouvidor. A voz monumental de Gabriel Cavalcante que não só nos embala, mas também nos ensina ao cantar sambas que foram registrados em gravações raríssimas da história de nossa música é simplesmente imperdível. Lá estávamos, religiosamente, fazendo parte daquele belíssimo quadro pintado durante dois anos sempre pelos mesmos músicos, amigos, bêbados e turistas de todos os lugares do mundo.

Por motivo de força maior, a roda girou um pouco e mudou de endereço. No dia seis de fevereiro, sábado passado, passou a alegrar a simpática Rua do Mercado, esquina com a bela Ouvidor. Novos bares, novos restaurantes e os mesmos amigos de sempre. Quer dizer, havia um espectador novo, profissional de nascença e de ouvido acuradíssimo que tudo via e ouvia de um certo ângulo ímpar devido à sua própria espécie.

Os músicos estavam bem embaixo de uma amendoeira e um sabiá acompanhava todo o movimento da janela do prédio em frente. De vez em quando sobrevoava a amendoeira e voltava para a sacada. Eu já o havia notado, mas pensei que fosse uma rolinha (o que não mudava em quase nada a delicadeza da cena). Bete, nossa amiga bióloga e meio metida a “ornitorrinca” como disse Luís Manuel, afirmou que o passarinho certamente estava com um ninho na árvore e receoso pelos filhotes. O primeiro a identificá-lo como sabiá foi o nosso amigo Perereca que ganhou esse apelido devido às suas habilidades de pular como a tal. Baseada na certeza acintosa de Perereca, recusei-me, por filosofia de vida, a acreditar que o pássaro imortalizado por Gonçalves Dias estivesse incomodado com o coro alegre e uníssono que vinha da rua.

Hoje de manhã consultei o gúgol, o pai virtual dos ignorantes, e descobri que o sabiá se juntou oficialmente aos quatro outros símbolos nacionais - a bandeira, o hino, o brasão de armas e o selo, tendo a mesma importância deles na representação do nosso país. Ele foi escolhido não pela sua beleza que é superada facilmente pelo Tucano ou por outros que tem até coloração verde e amarela em suas penas, nem tão pouco foi escolhido pelo seu canto, como pensariam alguns. O canto do sabiá, afirmam os ornitólogos, é facilmente influenciado por pássaros de outras espécies e por isso dizem, agora veja, que ele até tem um canto imperfeito! Por que, então, ele foi o predileto? Para ser um símbolo-vivo tem que ter um certo quê de popularidade e ele está ricamente presente na nossa literatura, nas nossas músicas e nas nossas poesias. Além disso, eles realmente permitem proximidade com o povo seja das cidades ou dos campos.

Era isso. Eu estava certa quando sublimei a teoria de minha amiga Bete. O passarinho não estava triste. Ele estava realmente participando daquele movimento cultural e se deixando influenciar pela voz de Gabriel, fazendo jus ao título que lhe concederam. E eu acreditando, cegamente, mais uma vez na beleza do quadro, ando contando para todo mundo que cantamos e sambamos na presença voluntária de um sabiá.

7 comentários:

  1. Que barato, Elika. Samba e sabiá, que mistura fina!
    Parabéns pela blogada feliz.

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  2. Então a rolinha era realmente um sabiá, ou uma sabiá como diria o Tom...
    ... que cantou e sambou conosco.
    E sobrevoamos todos encantados que estávamos pelo som maravilhoso da Rua.

    Excelente texto e providencial registro deste belo quadro que ficará marcado em nossa memória como o dia da volta do samba ou o dia do sabiá no samba.

    Parabéns minha linda!

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  3. OLá, sabiá, samba e sensiblidade é a mistura perfeita para um texto sonoro. Dos passarinhos da infância que aprendi a cuidar em cativeiro, o sabiá sempe alegre, adora tomar banho e como canta. Mas isto é uma outra estória... Abraços

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  4. Nossos sambas são sempre muito amigos e, desta vez, tivemos a presença da sabiá, que, apesar de preocupada com sua família, nos proporcionou momentos de pura poesia. Beijos pela inspiração.

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  5. Todos nós temos a mania de ver nos animais atitudes que o tornam quase humanos, são apenas animais por um acidente da natureza.
    Os gatos estão frequentam psicólogos, os pássaros ficam tristes, e o cachorro com muito pelo tem muito calor porque fica deitado com as patas abertas e com a barriga no piso gelado.
    Interessante é que depois de cortar os pelos, afinal de contas, fiquei com dó do coitadinho, ele continuou com o hábito de antes.
    Mas sabiá e samba tem tudo a ver, pelo menos em português. Parabéns. Você sempre se aprimora, a cada texto que passa. Beijos.

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  6. AAAh com certeza o sabiá veio acompanhar toda aquela alegria e musica que invadia a sua sala de estar(o ninho)
    e realmente como que existem musicas brasileiras que tem a presença do sabiá... com certeza ele sabia disso...
    bjoos

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  7. Ôi Elika!
    Bom ler seu blog, sempre com assuntos que nos chama atenção!


    Lá no meu blog tem um sêlo que eu indiquei pra você quando for possível passa lá e pega.
    Beijos!!

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