terça-feira, 3 de julho de 2012

Feijoada com ou sem Cristo?



Passo sempre indiferente por essa Igreja na final da 24 de Maio, mas outro dia um cartaz em sua fachada me fez meditar. “Tradicional feijoada do Encontro de Casais com Cristo”. Inicialmente a reflexão foi voltada para a ambiguidade da frase. O evento poderia ser para prestigiar duas coisas diferentes: Uma, que Cristo se encontraria com os casais e a feijoada seria apenas um detalhe. A outra, que Cristo estaria presente já antes na feijoada (assim como durante, é claro), que os casais viriam ao Seu encontro e poderiam ainda, com moderação, sorver o alimento rico em ferro. Esses são pormenores da nossa língua portuguesa que nos tornam imprecisos mesmo com Cristo... Confesso que a primeira opção não me faria parar tudo que ando fazendo para estar aqui divagando com meus fiéis seis leitores. Já a segunda (e que conforme me disse uma integrante da paróquia é o que acontece todo ano) me fez ponderar.  Eu que nada bebo mas de tudo como, parei para questionar se não estaria perdendo uma feijoada divina por não ter nenhuma religião e, Deus que me perdoe, pensei até em uma conversão só para participar dessa farra.

Farra? Foi aí que comecei a pensar na possibilidade de permitir que a 'feijoada com Cristo' entre no meu estômago ao preço de deixá-Lo, antes, entrar na minha mente (ou vá lá, no meu coração). Colocando tudo na balança ruminei: O que seria afinal uma feijoada com Cristo? O que seria uma feijoada sem Cristo? Aquela que eu sempre como afinal...Ele está ou não presente? Não me lembro Dele ter sido convidado, mas também nunca vi ninguém impedindo a Sua entrada...

Quando pensamos nessa iguaria feita de feijão preto cozido com miúdos de porco, partes íntimas e gordurosas e quaisquer outras coisas nojentas, desde que contenham gordura suficiente e muita pele de qualquer quadrúpede, além de ingredientes trazidos pelo vento que a cozinheira diz ser folha de louro, não imaginamos gente triste ou com algum sentimento de culpa quer cozinhando quer  fazendo parte da degustação que pode levar horas. Não há espaço para o silêncio quando estamos diante desse manjar dos deuses e a falta de ruído jamais pode ser preenchida pela música clássica. Seria um sacrilégio. Não há quietude, sossego, calma e som de harpas.... Há de entrar pelos ouvidos uns ziriguinduns, telecotecos, balacobacos, borogodós e buruguduns para que a feijoada não fique sem sal. E nesse paticundum, pracatás, sabadás e badaiás, bailarinas vestidas de branco ou  de rosa clarinho com uma saia que parece feita de nuvem não tem vez! Ao nosso lado, compondo o prato, deve ter uma nega com salto alto, vestidinho estampado e bem curto sambando com o diabo no corpo. Risadas estridentes estimuladas pelas cervejas estupidamente geladas e ucas, açúcar, cumbucas de gelo e limão são imprescindíveis para engrossar o caldo (Saravá Chico!).  E nada de vinho pelo amor de deus!  

É. Definitivamente Cristo não pode fazer parte desse tipo de coisa e pensando bem, Ele nunca esteve presente em nenhuma feijoada em que fui.

O ponto é que não vejo como isso pode ficar mais divertido e gostoso se modificarmos algum ingrediente ou se acrescentarmos algo, ainda que esse um-tanto-a-mais seja supremo. Cristo nesse ambiente poderia ou ficar deslocado ou inibir nossas gargalhadas com dentes sujos à mostra ou pior! acabar se divertindo nesse meio. Deus me livre.

Isso posto, não irei a "Tradicional Feijoada do Encontro de Casais com Cristo" e agora, depois dessa meditação, não estou mais angustiada com uma certa sensação de perda. Estou bem mais tranquila. Stanislaw Ponte Preta, o Sérgio Porto, disse que uma feijoada só é realmente completa quando tem uma ambulância de plantão. Só quem já saboreou devidamente o pitéu percebe que a genialidade de Ponte Preta nessa proposição foi ter captado e expresso em poucas palavras a essência desse maravilhoso e fenomenal sustentoPercebo, então, sem me sentir uma perversa profana, que Jesus deve mesmo é ficar do lado de fora. Literalmente. Fazendo o que faz de melhor! Absolvendo-nos e guiando nossos passos até chegarmos ao nosso abençoado lar.