quinta-feira, 31 de maio de 2012

Email para um 'Prezado Senhor'



Prezado Senhor,


Quem escreve aqui é a moça que bateu na traseira do seu carro na noite do dia 28 de maio quando voltava de um encontro no Museu da República onde foi lançado um livro escrito por uns tantos amigos. A noite seguia tranquila e com uma beleza leve tal qual um vôo de gaivota. Liguei o rádio assim que entrei no carro e como se tudo já não tivesse sido suficiente, ouvi Ney Matogrosso cantando que lá no fundo azul, na noite da floresta, a lua iluminou a dança, a roda, a festa. Ao me aproximar da Praça Tiradentes e ver o Teatro Carlos Gomes todo iluminado, distraí-me mais do que devia ainda na avenida Passos onde estava o seu carro parado em um sinal. Como poderia tê-lo visto se estava olhando para cima? O choque foi inevitável.

A lei é clara, prezado senhor, não há desculpas para aqueles que batem na parte de trás de carros parados em um sinal vermelho. Devo dizer que estou desolada com esse acontecimento, envergonhada até! e dou-lhe inteira razão de ter se irritado e brigado muito comigo na frente de tanta gente ainda que eu tivesse pedido de várias formas o seu perdão. Quem trabalha o dia inteiro, ganha o salário honestamente e sua tanto a camisa em horário comercial, tem todo o direito de ter uma volta para a casa sem maiores percalços. Eu sei bem disso, prezado senhor.

Trocamos imediatamente nossos números de telefone. Você fez questão de verificar os meus documentos e de anotar o número de minha habilitação, CPF, identidade, a placa do meu carro e ligar na mesma hora para o meu celular e ouvi-lo tocar na sua frente - certamente fazendo um mau julgamento a meu respeito. Não o condeno por isso, prezado senhor. Entendo perfeitamente o seu medo. Tanta gente ruim nesse mundo...

No dia seguinte, 29 de maio, ao final da tarde recebo o seu email com o orçamento do conserto de seu carro. 820 reais e mais umas despesas com táxi enquanto o seu carro estiver na oficina. Tudo bem, prezado senhor, todo esse despêndio será depositado na conta nº 3598X-9R da agência 086-R. O meu palio weekend adventure cuja placa é LBK 59X4 não colidirá mais dessa forma estúpida nem com um  ford ecosport xls 1,6 flex 2007 de placa LCJ 3XX8 nem com nenhum outro carro, pois, eu, portadora da identidade 09596XX-2, CPF 045527-X6 prometo olhar mais para frente, pelo menos enquanto estiver dirigindo. Eu, prezado senhor, que não passo de números para você reconheço que a vida poderia passar sem essas subtrações orçamentárias se as pessoas se limitassem a ficar dentro dos limites dos algarismos que a definem e que olhassem sempre e somente para a frente. Peço-lhe mais uma vez desculpas e prometo não lhe causar mais problemas. Conte com a minha palavra e com a minha carteira.

Mas... que me seja ao menos permitido sonhar com um outro rumo para essa nossa história... em que eu batesse na traseira de seu carro parado no sinal e tivesse a oportunidade de te dizer: amigo, meu nome é Elika, muito prazer em te conhecer! Desculpe-me, mas é que hoje estou extremamente feliz e distraída. Linda a iluminação desse teatro, não? Já viu esse espetáculo? E você dissesse: não. Mas poderia trazer a minha esposa e vermos juntos nesse final de semana. E eu pegasse o seu endereço para buscá-los, pois o seu carro estaria na oficina. E que fôssemos juntos ao teatro! Afinal... paramos ambos por causa dele e a vida é curta como a temporada de uma peça. E que ficássemos amigos e que você usasse o meu número de telefone para saber como se chega à minha casa para participar de umas daquelas saudáveis tardes de cantoria. E que brindássemos por eu não ter te machucado de forma alguma, bebêssemos sentindo a brisa no meu terraço e, enfim, celebrássemos a amizade entre os seres humanos, o amor e a paz entre nós.



sábado, 26 de maio de 2012

A História do Meu Novo Amor



Apaixonei-me assim que o vi. Foi mais forte que eu. Tenho que confessar. Nelson, meu marido, não estava por perto. Sorte do meu novo amor que teve meu olhar todo para ele logo na primeira vez que o vi. Desde então, tento me controlar, ocultar, não dar tanta bandeira, mas não consigo mais guardar isso só para mim. Tive uma longa conversa com o Nelson e ele me disse que já estava sentindo que eu não era só dele há tempos. Então, não faz mais sentido esconder de ninguém. Por isso hoje resolvi revelar para todos a história do meu novo amor.

Meu novo amor...Sempre me surpreende com uma flor escolhida meticulosamente, o gesto universal dos apaixonados. Outro dia, ao ver uma folha bonita, agora vejam, arrancou-a de uma planta que desconhece o nome, ofereceu-me com todo carinho e um beijo molhado (Como resistir?). Fica horas ao meu lado lendo. Emociona-se quando conto minhas histórias. Temos jantado juntos em alguns dias da semana. Dengoso, gosta que eu dê a comida na sua boca. Completamente infantil, muitos diriam, mas é capaz de me dar um carinho que Nelson jamais me ofereceu. Tem um ciúme que além de não me incomodar me fortalece como mulher. Possessivo como ele só. Se andamos na rua juntos ele (com uma certa prudência) pega com força na minha mão toda hora com medo de que me levem dele.

Coincidentemente, também curte um samba. Quando Nelson saía, não sei se é falta de respeito e sinceramente, cansei de me preocupar com isso, mas eu e meu novo amor ouvimos alguns CDs da coleção de meu marido em que rola um  ziriguidum. E como nos divertimos, meu deus. Quando nos conhecemos, Nelson trabalhava embarcado e nos quinze dias em que ele ficava na plataforma, que se dane o que vão pensar de mim, mas eu pensava se deveria chamar o meu novo amor para dormir ao meu lado. Quando eu não resistia, ele vinha sorrindo sempre e dormíamos abraçados a noite toda.  As amigas diziam que eu estava cometendo um erro pelo qual me arrependeria pelo resto da vida, que isso poderia causar danos irreversíveis ao meu casamento, como realmente aconteceu, mas eu simplesmente não conseguia fazer diferente e de nada me arrependo. Pois...

Meu novo amor... ah, meu novo amor perde com magnificência e um certo charme todos os meus marcadores de texto. Bagunça a minha vida. Totalmente irresponsável, me liga no meio de uma reunião para falar bobagens. Jamais pegou elevador sozinho. Toma banho comigo sempre quando Nelson não está em casa, anda pelado pelo quarto quando estamos sós para se exibir para mim e ainda me pede para eu cortar as suas unhas. Completamente sem noção e eu não consigo não achá-lo divertido.

Parece que gosta que eu cuide do corpo dele e de seu asseio. Mas também fica horas lavando as minhas costas, já lambeu muito meu joelho e sempre foi louco pelos meus seios. Agora anda com mania de olhar para meu corpo nu e fazer perguntas que me deixam um pouco constrangida. Pergunta-me porque uso maquiagem e diz que eu fico linda de qualquer jeito. Desmancha meu cabelo. Beija as minhas pernas e faz barulho com a boca no meu umbigo.  E eu rio como as que já não respondem mais por si.

Não sabe dirigir e adora andar de trem. Como todos os homens, gosta de futebol e de videogame. Um menino praticamente. Aliás, tenho que confessar...ele é bem mais novo que eu. Já tive vergonha por isso, mas superei. Faz bem para minha auto-estima.

Vaidoso. Não tem pelos pelo corpo. Não usa desodorantes. Não bebe. Corre todo dia. Tem uma alimentação toda balanceada. Olhos castanhos, cabelo pretinho e a pele bem clara. Lindo.

E, um detalhe mais íntimo, quando tem dor de barriga exige a minha presença ao lado dele. Eu o abraço, faço carinho na barriguinha lisinha, linda, canto uma musiquinha e tudo acontece. Ele pede sempre para eu limpá-lo de uma forma que eu não consigo dizer não. Problema universal dos que amam.

Tem um nome cujo significado para mim é bem apropriado: felicidade.

Nos conhecemos há cinco anos e o meu amor por ele só aumenta.

Yuki, meu filho, meu tudo.

J